quinta-feira, 4 de junho de 2009

“JÁ VI ESSE FILME ANTES”: HOLLYWOOD SATANIZA A EMPRESA

Trabalhadores oprimidos, sindicalistas corruptos, investidores cúpidos, empresários gananciosos, mulheres discriminadas, chefes arbitrários, colegas desleais, empreendedores delirantes, companhias opressoras, comunidades exploradas, executivos estressados!

Esse é, em resumo, o quadro geral com que se deparará quem tiver a pachorra de examinar o que os diretores de cinema falam sobre empresas e sobre o ofício de dirigi-las, dos gerentes, quando o tema é incluído em seus filmes.

Como já afirmou alguém, hoje em dia, o grande ator em cada filme de Hollywood não é alguém, mas algo: os efeitos especiais. São os filmes de ação que dominam o mercado, e competem uns com os outros pela capacidade de atrair a atenção do espectador, apresentando a cena mais impressionante, espetacular, assustadora. Mais do que nunca o que se vê é uma escancarada, acirradíssima concorrência, de filme para filme, no cinema, na TV comercial ou a cabo, nos DVDs que alugamos para ver em casa nos fins de semana, para apostar em qual filme consegue impactar-nos com a explosão mais definitiva, a queda mais espetacular, a mais ensandecida perseguição de carros ou os mais ferozes e sangrentos esquartejamentos ou furos de balas nos corpos dos personagens, em tiroteios ensurdecedores. Tanto quanto possível, tento passar ao largo dessa monumental e irritante redundância presente nos filmes de Hollywood, mas confesso que não tenho tido muito sucesso nisso.

Entretanto, como consultor e treinador de gerentes, freqüentemente faço uso do cinema como metáfora, vendo que muitas cenas de filmes comerciais são excelentes para ilustrar ou analisar situações típicas de gerência. Algumas são excepcionalmente boas para essa finalidade, além do que esse tipo de recurso tende a permitir uma imediata identificação entre instrutor e treinando, uma cumplicidade mesmo, pela familiaridade que ambos têm acerca da linguagem usada pelo cinema, já que crescemos todos, desde tenra idade, literalmente vendo filmes.

Aliás, ainda na qualidade de treinador de gerentes, preciso admitir também que esse cinema-espetáculo, que Hollywood cultiva com tanto sucesso comercial, acaba tendo lá suas vantagens sobre o “cinema de arte”, ou “cinema de autor” dos grandes diretores, que são mais afeitos ao hermetismo, que cultivam certa tendência a levar o espectador à introspeção, pela maior intelectualização do conteúdo. O “cinemão” de Hollywood, frequentemente “brega”, não tem essa característica: nos filmes de ação, como em outros gêneros no qual o desempenho dramático não conta tanto e nos quais os atores quase chegam à condição de meras peças de reposição, as cenas e os trechos que são aproveitáveis para estudar temas de gerência geralmente são bem óbvios, à prova de ambigüidade, maniqueístas mesmo. Nesses filmes, em outras palavras, não há dúvida: bandido é bandido e mocinho é mocinho; e, desde o início, você já sabe perfeitamente com quem deve simpatizar, por quem deve “torcer” no filme (apesar de que, em anos mais recentes, também os mocinhos têm sido cada vez mais retratados, dentro de certa faixa de tolerância, como indivíduos “politicamente incorretos”).

Ou seja, nesse cinema mais popular, que é levado à grande massa de espectadores, dificilmente o diretor terá a intenção de suscitar reflexões mais profundas sobre inquietantes problemas existenciais, ou focalizar as contradições na alma humana; ele carimba o filme como peça de entretenimento – e ponto final.

Estou certo de que isso acaba facilitando muito o trabalho do conferencista ou treinador de gerentes, quando pretende destinar um novo olhar ao filme – ou a uma parte dele –, transformando esse instrumento de entretenimento em novo recurso pedagógico: a mensagem que é então passada aos treinandos, emprestada à fita, sai rápido e rasteiro.

O maior problema, porém, acaba sendo o que levantei no início deste artigo: os cineastas, principalmente os americanos, mantêm um discurso monocórdio – e ao mesmo tempo coeso, consistente, monolítico – sobre o que seria o universo das empresas, dos negócios, do “management”, retratando-o como sempre tivesse de ser um “território do mal”, em que a desonestidade, a traição, a cupidez, o apego ao material e o abandono dos valores humanos mais elevados são unânimes e inquestionáveis. O mais engraçado é o paradoxo de que isso tende a acontecer nos desdobramentos dos enredos dos filmes, quando estes mesmos filmes são vendidos ao grande público como autênticos produtos de consumo de grande sucesso, implicitamente negando a pretensa indignação moral sugerida no roteiro!

Claro está que, se não levarmos em conta esse cinismo, teremos de convir que é bem fácil, afinal de contas, defender essa visão demoníaca dos negócios e do “management”, frente à insanidade a que a competição desenfreada e o paroxismo do consumismo estão conduzindo o mundo. A crise econômica mundial que começou com os “subprimes” está aí para atestá-la, uma vez mais. E, ao que tudo indica, os filmes comerciais, assim como os programas de televisão e outras formas de expressão da cultura de massa, acabam sendo mesmo um retrato da sociedade e da época em que se inserem.

Bem, não pretendo me alongar mais nos comentários acerca desse assunto, do qual seria possível falar bastante aqui. Acontece que nosso espaço é curto, e preciso, agora, provar ao leitor que o panorama que apresentei no primeiro parágrafo é, afinal de contas, pertinente. Portanto, aí vai uma lista (bastante incompleta) dos filmes que andei localizando recentemente, e que ilustram minha afirmação:

Quer ver investidores gananciosos, cúpidos, desonestos? Veja filmes como: “Wall Street”, “Amantes & Finanças”, “Com o dinheiro dos outros”, “Trocando as bolas”, “Uma linda mulher”.

Está interessado em conhecer executivos confusos, estressados, totalmente perdidos e angustiados? Assista a: “O jogador”, “Confusões em família”, “Um dia de fúria”, “Hook, a volta do capitão Gancho”, “Um novo homem”.

Quer empresários e dirigentes mal intencionados, anti-éticos, “babando” de ambição? Não perca: “Os Flintstones”, “Annie”, “Na roda da fortuna”, “Sol Nascente”, “Lobo”, “Titanic”.

Procurando chefes agressivos, mal-humorados, malévolos, de mau caráter? Pegue na locadora mais próxima: “Assédio sexual”, “O jornal”, “Rede de intrigas”, “Como eliminar seu chefe”, “Uma secretária de futuro” ou “Joe contra o vulcão”.

Quer ver como as empresas exploram e abandonam as coletividade em que estão plantadas? Assista aos filmes: “Fábrica de loucuras”, “Jumanji”, “Chuva negra”, “Os deuses devem estar loucos”, “Presente de grego”, “Crocodilo Dundee”, “Erin Brockovich – Uma mulher de talento”.

Já chega! Basta dizer que com um brevíssimo levantamento já foi possível identificar mais de 90 filmes, nos quais a “barra” “pesa” de verdade para a imagem pública das empresas, acionistas, dirigentes e chefes. Não dá para pensar?

quinta-feira, 14 de maio de 2009

DESIGNING DESIGN

Vivo fazendo incursões por sites e blogs da internet, onde possa descobrir meus “incogitados” (meus “unk-unks”, ou “unknown unknowns”, na forma inglesa), isto é, conhecimentos que eu nem cogitava que pudessem existir. É fascinante fazer isso, uma verdadeira aventura, pode crer!

Aliás, isso não é apenas fascinante, mas essencial! A qualquer momento podemos ser apanhados sem defesa alguma por aquilo que não sabemos que não sabemos. Estamos todos assustadoramente vulneráveis!

Pois, decidi agora que vou partilhar um pouco do que tenho conseguido encontrar por aí – e penso em fazer isso, neste blog, digamos, a cada 15 dias. Se você quiser me dar um retorno e trocar algumas idéias sobre o que ler aqui, vou gostar.

Nesta primeira postagem gostaria de chamar sua atenção para um livro que já tem mais de um ano de lançado internacionalmente: “Designing design”, do designer gráfico japonês Kenya Hara. Ele resume o fio condutor de seu livro com duas frases simples, mas perturbadoras: “A criatividade consiste em descobrir uma pergunta que nunca foi feita. Se fizermos uma pergunta única, a resposta obtida será necessariamente única.”

Hara reforça a idéia que todos temos, de que a criatividade é a grande ferramenta do design. E ele principia seu livro fazendo uma distinção entre design e arte: arte é expressão, para a sociedade, da vontade de um indivíduo; já o design, ao contrário, não é auto-expressão, pois origina-se na própria sociedade. A essência do design está no processo de descobrir um problema que seja partilhado por muitas pessoas e tentar solucioná-lo.

Seu texto é cheio de imagens metafóricas e de construção poética, não deixando dúvidas sobre sua origem, um país no qual a delicadeza da expressão artística é incomparável. O design é como a fruta de uma árvore, ele reflete. No design de produtos, por exemplo, a fruta pode ser um veículo ou um refrigerador. O é a árvore, que deverá produzir uma boa fruta. E, se você se distanciar um pouco, olhando a árvore a certa distância, verá que ela está plantada no solo. O solo no qual a árvore se ergue para dar bons frutos precisa ser um bom solo! Não precisamos acrescentar mais nada a essa imagem, não?

Hara é cético sobre o atual acesso à abundância de informação que os meios de comunicação nos proporcionam. Para ele, isso é uma ilusão, pois essa informação chega a nós simplesmente moída, triturada em fragmentos irreconhecíveis, por uma gigantesca máquina moedora que lança pelo ar miríade de retalhos – os quais, pairando sobre nós, grudam em nossos cérebros, recobrindo-os e nos dando a falsa impressão de que sabemos alguma coisa – quando de fato toda essa informação que absorvemos, se colocada junta, pouco significará.

Dois pontos, portanto, são cruciais nas reflexões desse autor: o primeiro é que precisamos desde logo aprender a fazer perguntas originais, se quisermos resolver os grandes problemas que se nos apresentam. O segundo é que o “information flood” em que estamos mergulhados nada garante, se não soubermos separar o que vale do que não vale. No fundo mesmo, tudo se resume a este segundo item, porque selecionar bem a informação que nos chega consistirá, em última análise, em fazer perguntas originais sobre essa informação!

Ao tomar conhecimento do livro de Hara, é impossível não lembrar o conceito de “Design Thinking” em gestão de empresas, hoje defendido por vários acadêmicos e consultores internacionais, entre os quais se destacam Roger Martin, da Rotman School of Management, da Universidade de Toronto (Canadá) e Tim Brown, da IDEO.

“Design Thinking” é um processo de solução criativa de problemas baseado na paulatina “construção” de uma idéia original. Para terem êxito nesse tipo de pensamento, as pessoas devem ser capazes de aceitar com alegria, confiança e uma intensa curiosidade, sem medo de cometer erros, o desafio de atacar um problema. Roger Martin conta que, ao assistir a um grupo de designers lidando com um sério problema, ficou fascinado com sua empolgação. Para Martin, é bem assim que pensam os grandes gestores: engajam-se com determinação na solução de seu quebra-cabeças; procurando formas de pensar que sejam diferentes de tudo que já se fez a respeito, e sem se deixar abater por limitações e obstáculos, porque sabem que sempre existe um jeito de contorná-los.